quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O abandono materno: impressões sobre o filme Mother!


Mother! é construído como uma alegoria bíblica? Sim. Mas ele se detém a retratar o ciclo da gênese ao apocalipse de forma descritiva e pouco crítica? Claro que não. Mother! na verdade é uma crítica bastante acirrada sobre como o patriarcado desde tempos imemoriais (e míticos até) explora a energia feminina, sem respeitá-la como contraparte equilibrada da masculina.

O Poeta-Criador, que usurpa o cerne original da própria força criadora (enquanto mulher) e o utiliza para recriá-la como A divindade encarnada, acaba posicionando-se como detentor de todas as possibilidades — ainda que fique bem claro em vários momentos que sem Ela, sem essa força motriz ele não passa de uma figura pouco inspirada, vaidosa e megalomaníaca.

A Casa também é uma representação bem direta do planeta Terra, e ao ser invadida por estranhos (os humanos) que vêm vandalizá-la, ignorando e debochando de cada consideração feita pela Mãe ("desce da pia, não está chumbada"), serve de construção perfeita para nossa inabilidade, como humanidade, de respeitar o planeta e honrar sua existência material E imaterial (mais uma vez corporificada pela Mãe, que aqui se confunde com Gaia).

Quando caminha para seu fim climático e apocalíptico, vemos também a Mãe tentando proteger sua cria, e ao vê-la morta, simplesmente porque o Poeta não conseguia controlar seu escandaloso exibicionismo, Ela dá sinais de revolta e é rechaçada pela própria humanidade, com atitudes evidentes de Slutshaming e violência física. Com isso o texto  demonstra mais um vez o assalto ao feminino, culminante com a completa destruição da Casa-Terra, num ato suicida que se conclui com a inspiração feminina fundamental novamente  usurpada — o coração Materno é roubado pelo poeta, em forma puramente cristalina.

É tão crítico por fim que a Mulher (Eva), logo no começo do filme, tenha partido em pedaços aquele cristal. Eva tomou consciência corporal, adquiriu conhecimento — até então proibido e sagrado (o de sempre, mordeu o fruto), tornou-se cínica para com a Mãe e repartiu a insatisfação de sua condição de humana (que portanto morre) com o mundo. Em resumo, o espírito de todo conhecimento, e portanto de toda criação, vem de uma figura feminina, vem da Mãe. E nós sabemos disso — ainda que de forma subconsciente, mas a rejeitamos mesmo assim. O patriarcado age de uma maneira sutil e assustadora.

Em resumo, Mãe! é mais do que uma alegoria grotesca: é uma denúncia de como em todas as instâncias quem vem a perder, a ser explorada e finalmente rejeitada é a mulher, mesmo sendo ela a expressão plena do que é a criação. O diretor e idealizador Darren Aronofsky só está nos dizendo: a Mãe não demanda dos seus filhos respeito, mas PRECISA disso urgentemente. Esse filme é uma louca ciranda de arquétipos, um retrato do genocídio da Terra também. Da Mãe que dá e tira, mais do que possamos perceber — ou mesmo, em tempo, nos importar.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

American Life: Iluminação e Identidade


American Life é um disco que causa polêmica até hoje. Enquanto alguns fãs continuam o enchendo de glórias, outros afirmam que ele é chato, incoerente ou apenas um apanhado de demos que Madonna já tinha desde o Music, editando-as numa coisa só. A verdade é que o disco foi vendido pela própria como algo que não abordava de fato seu texto: mesmo tendo elementos de política (escrachados pelo vídeo anti-guerra da faixa-título), diria que American Life trata bem mais de questões de moralidade e ética, ambientadas no contexto de alguém vivenciando um despertar íntimo. Pensando nisso, e tratando cada canção como um passo neste caminho, vou detalhar minha ideia a respeito desse trabalho, um dos que mais gosto de Madonna.

1 — American Life: Hipocrisia

A canção que intitula o disco sequer cita o nome "guerra" em sua letra, mas como sabemos, foi alardeada dessa forma pelo ótimo videoclipe que a acompanha. No entanto, American Life é uma grande crítica à hipocrisia daqueles que vivem o "Sonho Americano”, e nela a cantora denuncia o quanto o desejo de ter fez as pessoas esquecerem da importância de ser. Ela mesmo diz que para ter prestígio, tentou ser uma série de coisas que não necessariamente lhe diziam respeito, para no final listar algumas de suas regalias, enquanto reflete se elas a deixavam satisfeita ou não. Ainda, quando Madonna celebra no refrão este modelo de sociedade, na verdade diz acreditar no que ela deveria ser, e não no que se tornou: um mar de falsidade e intolerância. Isso consequentemente nos leva à segunda canção, em que M questiona o porquê de coisas tão brilhantes lhe machucarem tanto. Estamos em Hollywood.

2 — Hollywood: Desilusão

A fama e seus prós e contras sempre deram pano pra manga na carreira de Madonna. E este tema volta a ser sondado nesta faixa, exatamente por representar a desilusão de encarar algo que parece tão maravilhoso, mas que ao mesmo tempo escraviza, aterroriza e faz as pessoas mostrarem seu lado mais feio, somente para serem fotografadas pelo lado mais bonito. Em Hollywood, a artista se vê perdida pela vontade de alimentar seu ego, que em contrapartida lhe traz consequências ruins, como encontrar pessoas que só lhe dão valor pelo que se tem, e não pelo que se é (como visto na faixa anterior). Por fim, ao dizer para mudar a estação e o canal num tom sufocante, Madonna parece ter despertado de seu sonho confuso, para perceber o quão ingênua havia sido por acreditar naquele cenário mágico.

3 — I’m So Stupid: Despertar

Acordada de todo brilho e drama que a cerca, a artista começa a questionar ainda mais todas as coisas que tinha como belas e, portanto, tomava como referência. Ela finalmente reconhece que tudo o que a motivara era cobiça, desejo tolo de ser como as pessoas bonitas que via por aí. Finalmente, entende que buscava sentido nas respostas do mundo por mera estupidez, como normalmente agimos durante a vida. A artista não encontrou ainda o que precisa, mas pelo menos já sabe do que não mais necessita: buscar acolhida às custas do que outros almejam ou espelham não vai lhe fazer feliz.

4 — Love Profusion: Religação 

Após perceber sua ingenuidade, várias questões enchem a cabeça da cantora, bem como a impressão de que lhe falta uma explicação, uma noção que emende todas as partes de sua vida. Nesse momento a Cabala começa a ter seus ensinamentos expressos no disco, na forma da profusão de amor invadindo os poros de Madonna.
Toda a confusão do que é externo começa a baixar seu tom, em nome de uma busca mais introspectiva, de encontrar um sentido mais substancial à vida que levava. É quando ela canta ter "você" dentro de si (under my skin), que deixa ao ouvinte a pergunta: "quem é você?". Sugiro que Madonna se refira ao propósito divino, as leis que regem o universo, e a dimensão metafísica que nos habita e passa despercebida em nosso dia-a-dia. Finalmente, M termina a canção reverenciando o novo universo em que acaba de adentrar, ao dizer que pode até estar de mau humor, mas mesmo nos dias em que o mundo parece triste, somente essa busca pode lhe fazer bem. E consequentemente tal busca leva ao próximo passo, o reconhecimento de si.

5 — Nobody Knows Me: Autoconhecimento

"Conhece-te a ti mesmo". Ao deixar para trás a noção de que os outros poderiam lhe definir, Madonna encara o vazio que sente ao se desconhecer. Ela então relata ter vivido muitas vidas desde sua infância, porque se viu obrigada a morrer diversas vezes também. Após passar pelo fenecer de mais uma camada de ilusões, é preciso preencher-se de si, aproximar-se da luz (no sentido de consciência), e ao refletir sobre o Divino que a habita, perceber que ninguém a conhece como a conhece tal consciência. Pode chamá-la de Deus, de insconsciente, de como preferir; a questão aqui é que finalmente a artista olha além de sua miopia e refuta fontes externas (revistas, TV) que não acrescentarão nada à sua intenção maior: o entendimento. Mas para entender, não se pode rejeitar suas emoções. A compreensão vem por meio do Amor, e ele que renasce em Love Profusion encontra seu par em Nothing Fails.

6 — Nothing Fails: Amor

O Amor é a primeira e última instância de qualquer escola espiritual. Rejeitá-lo pelos percalços que nosso egoísmo o impõe é o mesmo que rejeitar a si próprio, já que a ânsia por tal sentimento é real e se mostra viva de muitas maneiras em todos nós. Quando se sente o Amor como estatuto maior nada pode falhar, e mesmo que não tenhamos crenças específicas, sentimos o ímpeto de pedir a algo que proteja o que alegra nosso espírito.
Esta canção parece ser clara quando se refere a um casal, mas amar é uma expressão tão elástica que não podemos resumi-la a isso. No fim das contas, há muitas maneiras de se escalar a Árvore da Vida, e todas retornam ao próximo passo de nossa caminhada: a criação.

7 — Intervention: Criação

"Preciso salvar meu bebê, pois ele me faz chorar. Preciso fazê-lo feliz, preciso ensiná-lo a voar". Em Intervention, Madonna canta sobre as virtudes e dificuldades de se criar uma nova existência. Seja um filho, uma ideia, uma outra figura de si, é preciso coragem e persistência para não cair nas armadilhas que a vida sempre impõe. O mais importante, no entanto, é lembrar que mesmo quando a estrada parece solitária, é somente o jogo de Satanás (a mentira, a ilusão), e depois que se esculpe uma nova vida, nunca mais se é o mesmo.
Cantando sobre saber que o Amor cessará toda dúvida e apuro, a artista sugere que a intervenção divina é exatamente essa: o bem que cresce e se espalha vindo tirá-los de cada situação ruim. Portanto, é chegada a hora de questionar a figura de Deus cultivada pelo ocidente: por que invés de nos salvar, tal imagem nos desfigura?

8 — X-static Process: Questão

Nossa relação com o Divino costuma orientar para negarmos traços de nossa personalidade, em nome de um bem maior, a vontade de Deus. Chega-se ao ponto de evitarmos nossa própria existência em nome de algo especial, mais especial que qualquer vivência mortal, de modo tão dissociado que parte o laço entre o ser e o não-ser, isto que cabe à instância divina. No processo, esquecemos que também somos especiais, também somos bonitos e que tudo é inspiração maior, tudo tem razão de existir e direito de permanecer onde está.
É nesse momento que Madonna encara a maior de suas ilusões, maior até do que seu desejo de ser alguém perante o mundo: ela percebe que não é ninguém diante de Deus, porque Deus é ela, Deus sou eu, Deus somos nós na medida que expressamos sua obra, sua criação. Não existe arrogância em ser tão boa quanto Jesus; existe humildade em reconhecer-se como parte de um grande projeto universal, no qual reside o Divino.
Só depois de assim perceber-se, Madonna tem coragem de voltar a seu passado para recriá-lo, num dos traumas que mais lhe afligia: a perda física de sua mãe, e a inevitável perda emocional de seu pai.

9 — Mother And Father: Recriação

Sobreviver a traumas exige em certo nível que se "recrie" as experiências ruins do passado. É preciso olhá-las como fontes de aprendizado, ou ainda que se entenda um pouco suas circunstâncias, uma vez que no momento que a vivenciamos nem sempre somos maduros para encarar o que estava ao redor.
Madonna sempre tratou a morte da mãe como a situação mais trágica de sua vida, e depois de cantar sobre a difícil relação que se estabeleceu entre ela e seu pai (Oh Father), parece que em Mother and Father consegue vê-lo com mais compaixão. Perder sua esposa ainda tão jovem exigiu dele um enrijecimento, o que parece ter apagado muitas de suas emoções; ele ainda tinha vários filhos para criar e não podia se entregar à dor que sentia. Por não compreender a posição de seu pai, Madonna canta sobre ter criado uma aversão, o que a levou em última instância a abdicar do desejo de encontrar alguém que a amasse. É impossível para uma menina de cinco anos saber o que é amor próprio, e se agora ela não tinha mais quem a ensinasse a respeito (amando-a), desistir disso tudo foi a dura escolha que fez. Só anos depois, já adulta e diante de sua própria família, pôde reconhecer os enganos cometidos por ela e seu pai, concluindo que no fim das contas o sofrimento foi mútuo, só não compartilhado. Mother and Father é quase uma resposta ao seguinte verso de Oh Father: "maybe someday when I look back I'll be able to say, you didn't mean to be cruel, somebody hurt you too."
Depois de encarar e ganhar nova perspectiva sobre toda sorte de ilusão e desilusão, é hora de sobreviver à morte. Hora de morrer somente outro dia.

10 — Die Another Day: Ressurreição

Em Die Another Day, Madonna canta sobre destruir seu ego, evitar o clichê e finalmente quebrar o ciclo, provavelmente de tantas mortes em vida citado em Nobody Knows Me. É hora de escolher pela vida, pelo conhecimento, pelo caminho que não termina mesmo quando o corpo tem seus sentidos suspensos e se fecha, para o resto do mundo.
Morrer outro dia trata-se na verdade de sublimar aspectos persistentes de sua vaidade, em nome de uma existência mais depurada. Não à toa, no clipe da música ela é representada em meio a conflitos, interno e externo, até conseguir vencê-los pela morte da matéria, mas não do espírito.
Ela liberta-se em nome do entendimento, da compaixão e do amor. E ao olhar para seu aprendizado, percebe finalmente o que deseja da vida; e não é um caminho fácil.

11 — Easy Ride: Síntese

Em Easy Ride, canção que fecha o álbum, Madonna parece repassar mentalmente tudo aquilo que realmente lhe importa. Ela deseja que seus esforços não sejam vazios, e que possa obter frutos pelo suor e sangue nas pontas de seus dedos. Traz consigo os filhos, um lugar tranquilo, e a dimensão de que precisa de bem menos do que imaginava para ser uma pessoa mais feliz. Finalmente, invoca a figura do círculo para refletir a noção de infinito que almeja para sua existência, partindo em busca de si e voltando finalmente para si, onde continua a haver sua casa.
Vemos que a artista descreve um paraíso sem fanfarras, sem drama e retaliações, livre da ilusão que o êxtase e a depressão carregam. Ela procura por paz, é isso que quer; essa é a síntese de seu caminho.

Nesta dimensão, talvez, a cantora tente expressar um ideal de Sonho Americano mais consistente, o que inclusive dá coerência ao nome do álbum. No geral, porém, American Life carrega mensagens universais, e para senti-las é preciso escutá-lo sob perspectivas que vão além desse texto. Uma interpretação pessoal nunca limita uma mensagem, e a busca que Madonna, ou cada um de nós, empreende pela própria identidade é jamais limitada. You go round and round, just like a circle…

quarta-feira, 18 de março de 2015

A ferida viva de Björk



Nota: algumas das ideias desse texto, envolvendo especialmente Mouth Mantra, vieram de conversas com Madyana Torres. Obrigado!

Vulnicura é uma adaptação vinda do latim, e significa algo como "A cura da ferida". Björk tem o hábito de sempre escolher uma única palavra para os títulos de seu disco, e mais uma vez acertou em cheio. Ao retratar num formato quase antropológico (como a própria se referiu ao trabalho) as fases pelas quais passou até superar o fim de seu casamento, a islandesa nos convida a explorar o antes, o durante e o depois de uma tragédia emocional, fazendo disso um estudo que universaliza sua experiência.
As primeiras seis músicas do álbum formam um ciclo cronológico, retratando sem muitas firulas quais as emoções e dúvidas que surgiam na cabeça daquela mulher, durante todo o processo. As três canções que abrem o disco a mostram numa dança inconstante com a esperança, a desilusão, e a negação de que as coisas caminhavam para seu fim. As três seguintes por sua vez marcam o drama vivido pós-rompimento, e nelas a tristeza e mágoa profundas vão aos poucos dando lugar a preocupações de outra ordem, bem como a uma tomada consciente de conceitos como salvação e morte. Seguindo o caminho da cantora, vamos num passo-a-passo, de Stonemilker a Notget.

Stonemilker - nesse primeiro momento, nos deparamos com uma mulher em dúvida, mas mantendo fé em seu relacionamento. Ainda que admita que "momentos de clareza estejam bem raros", Björk expressa que tem necessidades emocionais e demanda respeito de seu companheiro, numa batalha que, aparentemente, está travando sozinha. Ela chega a afirmar que fazê-lo falar o que sente é como tirar leite de pedra; não obstante, ainda resta em seu coração o desejo de sincronizar os sentimentos do casal. Acompanhados de cordas delicadas e cheias de acalento, os versos são entregues num tom frágil, mas vivo, como uma chama relutante em se apagar.

Lionsong - assumindo um tom quase cético, Björk canta sobre não saber o que esperar de seu então companheiro; naquele momento, porém, isso já não a incomodava tanto. Ao compará-lo com um leão raivoso e teimoso, ela se diz cansada de ter de lidar com ele, convocando então um veterinário/veterano do Vietnã para tentar acalmá-lo. Uma das passagens mais interessantes da música e quando a mulher diz que no começo tudo era simples, até chegarem a um ápice e dele as coisas terem debandado por uma complexidade bastante incômoda. O que ela ainda exige é transparência; dessa vez, no entanto, assume que a relação lhe tomava mais do que lhe dava fé.

History of Touches - é comum que na iminência de algo acabar, nos apeguemos aos mínimos detalhes e artefatos que restaram daquele momento. E ao acordar seu companheiro no meio da noite, "para expressar seu amor por ele, apertando sua pele para senti-lo", Björk respira os últimos sopros de esperança que ainda lhe restavam pelo amor deles. Talvez tentando resgatar os motivos pelos quais permaneceram juntos até ali, ela imagina um grande arquivo no qual ficariam guardadas todas as memórias sensitivas que envolviam os dois. Este arquivo é batizado de "Historia dos Toques", representando uma retrospectiva daquilo que chegava ao fim.

Black Lake - depois de tanta dúvida, resta agora somente uma certeza cruel: acabou. Num momento de dor imensa, Björk compara seu coração a um enorme lago preto, um charco sentimental, no qual ela afunda sem salvação. A mulher reduzida a uma ferida tenta encontrar algum sentido para todo sofrimento, e ao fazer isso começa a acusar o ex-companheiro por seu egoísmo e suas "obsessões apocalípticas", bem como a si mesma, ao questionar se o havia amado demais a ponto de toda devoção tê-la partido ao meio. Ainda, o sentencia por ter partido o laço familiar (aspecto que se mostra fundamental nas próximas músicas) para finalmente se comparar a um foguete adentrando a atmosfera, num esforço que queima cada uma de suas camadas. Como um ser que vivia acima da terra, vagando pelo universo enquanto suas emoções a amparavam, era hora de voltar ao chão e pagar o preço por sua ilusão de imortalidade. E ao se descobrir mortal, a voz silencia e a música nos leva a um cortejo fúnebre, de cordas paradoxalmente contidas e espaçosas, como num lamento baixo.

Family - confrontada com a morte de sua família, Björk sente necessidade de prestar condolências a seu "triângulo miraculoso" de mãe, pai e filha. É quando percebe que sua dor não deve fazê-la esquecer da criança, que também sofre e pode acabar escorregando no mesmo lago preto que a arrastou. Pensando nisso, mostra-se preocupada em construir uma ponte para que sua filha não caia, expressando que o perigo é real e precisa ser combatido urgentemente. Após um momento intenso de cordas quase desordenadas, a mulher parece encontrar uma razão pela qual acalmar seu coração, e nela se apega até, pela primeira vez, sentir uma harmonia em seu tormento. Há um "enxame de som sobre suas cabeças", e ele tem de ser alcançado para curar todo ressentimento restante; só assim ela e sua família emocionalmente morta poderão adentrar no que chama de "universo de soluções". De joelhos, a cantora termina a canção exclamando mais de uma vez: "God, save us all".

Notget - levada por uma percussão forte e dominante, Björk canta com mais segurança e finalmente encontra a clareza que tanta buscara. Não que essa clareza a salve do sofrimento, mas pelo menos agora parece olhar para o fim do amor com uma tenacidade antes perdida. Chega a expressar que sua dor não deve ser removida, uma vez que ela representa sua chance de cura, e até reconhece que seu ex-companheiro também sofre, ainda que a busca por consolo de ambos seja bem diferente. Mais importante, a mulher diz finalmente entender o medo de morrer que aquele homem sentia, e a partir de agora ambos precisavam ser fortes para, em última instância, proteger sua filha da morte. Em entrevista concedida no fim de janeiro, a artista expressou que Notget representa sua voz interior rebatendo toda a mazela que carregava; não é um momento de cura, mas sim o grito que precisava arrancar do peito para sobreviver, seguir adiante.

As últimas três canções do Vulnicura não tem marcação cronológica como as anteriores, mas se situam claramente depois do tormento da artista. São nelas que Björk volta a suas metáforas sinuosas e de teor universal, como provável resultado de sua recuperação sentimental. A primeira delas, Atom Dance, reflete sobre a ideia de que "ninguém é um amante solitário", sob a luz de que somos trilhões de átomos, vibrando entre si e em consonância com o universo. Ao filosofar que "a maioria dos corações temem suas próprias casas, quando elas voltam a si mesmas por completo", a cantora expressa o nosso latente temor em buscar autoconhecimento e aceitação íntima, o qual normalmente se reflete numa árdua busca de si nos outros. A proposta da islandesa aqui é simples: sinta o fluxo como o amor primeiro, deixe a dor vir e dance com ela; "somos os hemisférios, uns dos outros", e no fim das contas os átomos estão somente gargalhando. Björk afirmou ser essa música sobre a virtude do amor.
Em Mouth Mantra, a cantora parece discutir algo que feriu sua essência há três anos atrás: um sério problema nas pregas vocais, que a deixou meses sem poder cantar. Nesta canção, ela afirma ter sentido como se sua boca estivesse costurada, com a garganta entalada, de modo a deixá-la afastada daquilo que melhor sabe fazer. Foi num voto de silêncio que ela diz ter explorado o "espaço negativo em torno de sua boca", permitindo assim que não saísse ferida desse buraco negro; finalmente, afirma ter seguido um caminho que exigia sacrifícios, e era hora de sacrificar sua cicatriz. "Você pode cortá-la?", indaga no último verso. É inevitável associar a recuperação pós-rompimento com a de sua voz, de modo que ambas as experiências propiciaram a ela novas ideias, expressões, ou como a mesma descreve, "milhares de sons". Somos então levados ao momento em que Björk finalmente lança luz sobre suas indagações, ao cantar: "when I'm broken I am whole, and when I'm whole I'm broken".
Quicksand é um momento extático no qual a artista reconhece mais uma vez sua natureza, no aspecto mais maternal da Terra. Ao afirmar que sobre o abismo será criado um ninho celestial, ou que sobre o lago preto haverá uma nuvem protetora surgida de seu vapor, expressa o sentimento de que a Grande Mãe sempre encontra maneiras de nos salvar, e que se sua filosofia é capaz de inundá-la e consumi-la como areia movediça, ela está disposta a afundar com ela. Björk demonstra reencontrar sentido de existência ao pensar na continuidade da espécie humana, e numa escala micro, na continuidade de sua própria linhagem, uma vez que nao podia desistir de sua filha, e da filha de sua filha... Enfim, de todas as filhas que vem de Gaia. A música assume um teor feminista, e conclui o Vulnicura com a expressão plena de sororidade (e humanidade) de que juntas quando estamos partidas, formamos uma completude maior. E vice-versa.

Na busca incessante por curar sua ferida, a mulher antes abatida pela guerra parece concluir sua jornada sabendo que ela não termina. E essa talvez seja a mensagem maior do Vulnicura: a jornada jamais termina.


domingo, 22 de fevereiro de 2015

REBEL HEART: uma resenha temática


NOTA: a ideia que norteou esse texto me foi dada por Ailton Palaria. Muito obrigado!

O número 13 é considerado poderoso por diversas correntes místicas. Associado às noções de mudança, término e recomeço, firma-se tanto sob a luz e a escuridão, sendo inclusive associado à Morte, uma das mais intrigantes cartas do Tarô. 13 é o número sequencial do próximo disco de Madonna, Rebel Heart, e sabendo que ela já se valeu de numerologia no passado, era de se esperar que sua influência voltasse com toda força em 2015. Portanto, firmando-se num tripé constituído pelo amor, o sexo e a fé (três elementos que sempre se confundem), o coração rebelde da artista nos propõe uma viagem pelo caos, conhecimento, resiliência e renascimento.

Madonna já havia declarado que Rebel Heart representava dois lados de sua identidade: o sentimento e vulnerabilidade do “coração”, e a contravenção e astúcia do “rebelde”. Inicialmente o disco seria duplo, mas tomar a decisão por um trabalho único de 19 faixas (a primeira versão oficialmente divulgada) foi bem mais coerente. Afinal, nos momentos de raiva costumamos estar extremamente frágeis, e no mundo de hoje não existe atitude mais rebelde que professar o amor. E é o que já ouvimos bem no começo do disco, com Living For Love.



Ao anunciar que continuará vivendo pelo amor, mesmo tendo sido ferida ao vivê-lo, a cantora reafirma que sempre é possível recomeçar, ter fé de que o futuro reserva coisas melhores. Essa esperança quase cega de que o amor a salvará de toda mágoa nos remete a noções religiosas, a exemplo da citação clássica "Deus é amor” (nome de uma das demos vazadas), e para reforçar esse aspecto existem na música elementos do gospel que não víamos desde Nothing Fails (2003). O que segue Living For Love é mais um relato de fé, na qual se pede pela coragem de não ceder à ilusão dos sentidos, em nome da salvação da alma. Mas o que seria salvar a alma?

Devil Pray trata de como o uso de drogas pode iludir as pessoas na busca de alguma satisfação. Ainda que a cantora cite várias delas na canção, existem muitas "drogas" por aí que nos oferecem a ilusão de que a vida é menos dura — mesmo que depois percebamos a ingenuidade de acreditar nelas. Salvar a alma aqui diz respeito a buscar autoconhecimento, "ter sua história contada" de modo a perceber que a vida é maior que tudo o que buscamos como consolo. No fim das contas, é preciso procurar aquilo que nos faz sobreviver ao caos, invés de coisas que mais cedo ou mais tarde venham a infligi-lo. Ghosttown, a próxima canção, nos traz a ele.

O caos, apocalipse, a destruição de tudo o que conhecemos é temática recorrente em Rebel Heart. Não só na música supracitada, mas em canções como Hold Tight ou Queen (faixa não-lançada oficialmente), Madonna canta sobre como o mundo vem passando por um momento crítico, e as chances de que possamos sair vivos dele são poucas. A única escapatória para todo esse drama é a compaixão, vivenciada no companheirismo e no apoio que podemos oferecer um ao outro. É acreditando nisso que ela canta: “quando tudo desabar, serei sua chama quando as luzes apagarem. Quando não restar mais ninguém por perto, seremos duas almas numa cidade fantasma”.

Essas ideias podem “sacralizar" Madonna, uma vez que até aqui seu discurso esteve mais centrado no que ela acredita ser certo ou errado. Talvez para mostrar que também é gente como a gente, e não uma monja obcecada em citar verdades universais, chegamos numa música abusada que marca território já em seu título: “Vadia Sem Remorso”. Querendo mandar a real para um desafeto, Unapologetic Bitch discorre sobre como é preciso às vezes ser um pouco mais audacioso para conseguir reerguer-se depois de um trauma. O discurso de paz e amor tem suas vantagens, mas assumir seus rancores também; são fases e mais fases até a libertação.

Pegando carona na confrontação anterior, somos apresentados a Illuminati, tematizada nos boatos de que grandes artistas do mainstream estão sempre passando mensagens ocultas e profetizando, em suas músicas, vídeos e performances, a nova ordem mundial. A cantora deixa claro que Os Iluminados são grandes personalidades do passado que contribuíram de forma crucial à humanidade, tocando na ferida de tantas teorias da conspiração que sempre acompanharam seu nome. Há de se comentar, por outro lado, que é um pouco suspeito em seu décimo-terceiro disco ter uma faixa que trate de elementos que esbarram em misticismo e satanismo — não deixa de ser uma escolha intrigante.

Talvez para quebrar um pouco a tensão do tema anterior, deparamo-nos com uma canção meio boba e com elementos autocomemorativos semelhantes a Give Me All Your Luvin’ (2012). Bitch I’m Madonna foi produzida para alcançar um público jovem e ávido por canções para se divertir, pura e simplesmente. Rebel Heart volta a ser frívolo em outros momentos, mas normalmente quando se associa ao sexo e não simplesmente nessa vibe “let's get lost”; tanto que logo em seguida o disco assume um tom mais doce com a já citada Hold Tight e uma balada acolhedora, Joan of Arc.

É cantando sobre ainda não ser Joana D’arc que Madonna mais esparrama seu coração para o ouvinte. Com uma melodia suave e uma letra que procura explorar a fragilidade e humanidade da mulher por trás da artista, sua voz carrega uma vulnerabilidade que inspira cuidado e ternura. Não deixa de ser revigorante perceber que essa inspiração ainda resiste, e se reflete na resiliência que a fez sobreviver às pressões sofridas por toda sua vida. É um momento de alento, bastante bem vindo, mas que quase se dissipa na canção que a sucede, a explosiva Iconic.



Sendo introduzida por um discurso convincente de Mike Tyson, a cantora discorre sobre manter-se firme e fiel a si próprio como a principal ferramenta para alcançar o status de ícone. E oferece, mesmo que de forma manjada, a chance ao ouvinte de acreditar que podemos também ser icônicos, independente de qual escala nossa importância consiga alcançar. É mais uma música sobre assumir-se e se desenvolver para ser único, uma super-estrela por predestinação. Curiosamente, toda essa autoconfiança parece abalada logo em seguida, quando a artista nos leva a visitar à Cidade do Coração Partido.

HeartBreakCity é poderosa e universal. Todos já nos sentimos traídos por alguém a quem daríamos tudo, acreditando em intenções sinceras que se verteram num jogo do qual mal acreditamos termos tomado parte. Madonna canta com uma raiva resignada, de quem não pode fazer muita coisa além de amaldiçoar o dia em que conheceu seu desafeto, e ao servir suas emoções numa bandeja para o ouvinte, permite-nos perceber que a dita vadia sem remorso era só uma mulher ferida na guerra. A percussão marcial ainda reforça seu tom de batalha, até a canção terminar em notas singelas de um piano solitário.

Depois de um momento intenso, o disco suaviza numa faixa cheia de nuances, na qual o sexo e o amor dançam de forma sutil. Body Shop relata o desejo por um homem que “trabalha numa oficina mecânica”, e com metáforas engraçadinhas e um instrumental gentil, nos introduz à porção mais carnal do Rebel Heart. A canção que a segue é bem mais abusada e se usa de imagens religiosas para incitar o êxtase, sexual e espiritual; dessa vez, no entanto, há um ar debochado, que a distingue de Like a Prayer (1989). Em Holy Water ouvimos Madonna sugerir que suas partes íntimas tem sabor de água benta, e para provar delas é preciso se abençoar e ajoelhar. Há ainda uma referência a seu hit Vogue (1990), que por coincidência ou não já havia sido citado na canção Deeper and Deeper (1992), do Erotica.

Inside Out é mais uma que passeia entre o sexo e o amor, com uma certa tensão trazida pelo seu instrumental. Os versos são acompanhados de batidas pesadas, assumindo um tom mais leve no refrão e na ponte que leva ao final da música. Sua função, na verdade, é introduzir o momento climático de Rebel Heart, que serve ainda como última faixa de sua versão comum: Wash All Over Me. A canção reflete sobre temas como a morte, a resignação e a fé de que as coisas tomarão seu curso, mesmo que tudo escape de nossa vontade. Aceitar que a vida pode nos mudar de forma irreversível, e deixar que a tempestade desabe sobre nossas cabeças porque, de alguma maneira, saímos vivos dela, essa é sua mote. Considerando que a cantora já havia discorrido sobre suas ilusões e mágoas sentimentais mais cedo, é uma ótima conclusão para esse capítulo, permitindo assim que uma espécie de retrospectiva seja feita nas faixas seguintes.

Best Night e S.E.X. são essencialmente sexuais e remetem a dois momentos polêmicos na carreira da artista: a primeira usa versos de Justify My Love em sua ponte, enquanto a segunda nos oferece “uma lição em sexologia”, na qual Madonna lista fetiches dos mais diversos e nos faz lembrar do Sex Book. Vale tomá-las como gancho para falar sobre a insistência da cantora em manter sua persona sexual viva, mesmo aos 56 anos de idade. Ela já deixou claro em entrevistas que ao expressar sua sexualidade, tem por objetivo desmistificar a ideia de que uma mulher mais velha não tem direito de vivenciá-la. Aqui, o que bem prevalece é o lado rebelde do disco e, consequentemente, de sua personalidade.

Mais claras na ideia de retrospectiva são Veni Vidi Vici, canção amparada pelo rap certeiro de Nas, e a faixa-título do álbum. Na primeira passeamos por vários momentos importantes de vida profissional da artista, as quais culminam com o simbólico verso: “Music saved my life”; na última, temos uma visão mais íntima de sua história, nos levando desde seus dias de confronto com o pai até o momento atual, em que depois de quase morrer ao buscar seus sonhos, ela finalmente se vê onde exatamente queria estar. Por mais que pareçam pura auto-reverência, são músicas que refletem e ponderam sobre a vida de uma mulher que cresceu sob os olhos do mundo por quase 35 anos, e mostram como uma busca incessante por prestígio e, mais tarde, autoconhecimento a levou para lugares que jamais imaginaria chegar. Mais que vaidosas, são inspiradoras, e concluem com tom de esperança um disco no qual o ir, o vir e o devir constituem a essência da vida.

Pelo seu contexto, Rebel Heart pode parecer um disco de despedida, uma vez que nos remete às suas várias fases, tanto tematica como sonicamente. No entanto, seu vigor e paixão nos mostram o quanto a artista ainda tem a oferecer, e não está disposta a simplesmente se escorar em tudo o que fez para manter seu status e reconhecimento. Na canção Messiah, penúltima desta coleção, ela canta sobre não querer chegar ao fim de seus dias sem ter se impressionado, o que indica a fome que lhe resta de se deixar maravilhar pelo mundo. Ainda, metaforiza sobre lançar um feitiço inquebrável, até que seu alvo acorde para o fato de que a ama também. A quem Madonna quer encantar, essa é uma questão curiosa. Mais curioso, no entanto, é perceber como depois de tanto tempo o encanto ainda está lá, nas profundezas de seu coração rebelde.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

"Hologramas"

Lorde costuma explorar a superficialidade com que nos acostumamos a viver. E ela me levou a falar (bem pouco) sobre os vazios onde estamos, eu e você.

Hologramas

Cada um luta com o que tem
E se não tiver nada,
Use seu corpo, meu bem
Acione a bomba,
Exploda o prédio,
Mate aquele que já é morto,
Também
Aquele corpo andarilho
Que se perdeu do sentido
Mas continua entretido,
Como mais um Zé Ninguém

Um ninguém

Um exército de ninguém




"I remember when your head caught flame... 'It's buzzcut season, anyway'"

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

[Ranking] Os discos de Shakira, do pior ao melhor!

Shakira já se provou como uma estrela mundial e multifacetada, passeando na sua discografia pelo pop, rock, reggaeton, outros ritmos latinos e até jazz, logo no comecinho da carreira. Seu interesse de agregar a seus álbuns elementos diversos é o que dá mérito e personalidade a seu trabalho, o qual, quando inspirado, supera de longe o de suas páreas no mundo pop. Ainda que o mais chamativo ao grande público nela seja seus quadris, que não mentem nunca, Shaki tem bem mais a oferecer para quem presta atenção… E pensando nisso, decidi fazer uma lista explicando o que há de bom (e ruim) em seus discos, indo do pior ao melhor álbum. Não incluí “Magia” e “Peligro” nessa postagem, uma vez que o sucesso bateu à porta da colombiana com seu memorável “Pies Descalzos”, e este é considerado no próprio site da cantora seu primeiro lançamento. Mas não é com ele que o ranking começa…


07º - She Wolf


Ok, essa é uma escolha meio óbvia para pior disco de Shakira. She Wolf é difícil de entender: com sede de invadir de vez o mercado norte-americano, a cantora lançou um álbum meio bitchpop, meio farofeiro, meio classy (mais pra sassy) e meio rocker também… Ou seja, qualquer coisa. O problema não está nem em ser alguma ou todas essas coisas, mas de tentar abarcar tudo e acabar não sendo nada. As músicas não se conectam muito bem, e para piorar, quando o disco não ia bem nos charts ela se dispôs a lançar uma parceria com Timbaland e Lil’ Wayne, a esquecível "Give It Up To Me”. Para não dizer que o disco é um completo charco, existem canções interessantes do meio para o fim: “Men In This Town”, enérgica e dream single de todo fã, “Spy”, bem mais sensual que a faixa-título, e “Gitana”, remetendo com sua gaita à velha e boa Shakira dos primeiros álbuns. No geral, entretanto, o uivo da loba passa quase despercebido em sua discografia.


06º - Oral Fixation Vol. II


Lançado como contraponto ao “Fijación Oral Vol. I”, Oral Fixation Vol. II procura se opor ao romantismo e entrega do primeiro com faixas raivosas e dotadas até de teor político. Já em sua primeira canção vemos a cantora questionando Deus sobre as incongruências do mundo (How Do You Do), para depois reforçar seu desprezo pelo comportamento interesseiro e carniceiro da sociedade (Animal City). No meio do caminho, revemos a decepção amorosa - grande amiga da compositora Shakira - na rancorosa “Don’t Bother” e na melancólica “Dreams for Plans”, e ainda sobra espaço para escancarar suas fragilidades em “Costume Makes The Clown” - “Told you I felt lucky with my humble breasts… Well, I don’t”. O disco finaliza com uma canção super autotunada, mas de letra interessante: “Timor” trata das desigualdades planetárias (“the planet’s split in three”), apontando o dedo para a alienação e desinteresse que muitos demonstram pelo seu próximo. Alguns dos meus versos prediletos do disco estão nessa faixa, a saber: “If we forget about them, don't worry / If they forget about us, then hurry! / How about the people who don't matter anymore?”. Mesmo que suas melodias não sejam tão pungentes, Oral Fixation é redondinho e apresenta lados de Shaki que muitos esquecem por aí. Para ele, o 6º lugar.

ps: mesmo que esse disco seja o de Hips Don’t Lie, maior sucesso da artista, esta música foi incluída meses depois do lançamento original. Ela é ótima, mas destoa do resto do álbum; por isso, ficou de fora do texto.


05º - Laundry Service


“Le do, lo de, lo de” - Ainda que sejam seus versos mais conhecidos (hahahaha), Laundry Service tem mais a oferecer que “Whenever, Wherever”. O disco é irregular, devo admitir, mas possui canções realmente especiais, e com isso passa à frente do Oral Fixation nessa lista. A primeira delas é “Ready for the Good Times”, na qual Shaki prova que sua capacidade com trava-línguas se manteve firme e forte em inglês, e ainda, cativa quase que instantaneamente com seu som pegajoso e contagiante . No mesmo pique chega “Te Dejo Madrid”, mistura de rock e latinidade que sempre há de aparecer em qualquer álbum da cantora, e por fim “Que Me Quedes Tú”, uma das melhores baladas de toda sua carreira. Cantando que poderiam destruir os prazeres do mundo, contaminar toda água do planeta, fazer os filantropos e sábios renunciarem e por fim escrever de todas a última canção, Shakira reitera que nada disso importaria se ele, sim, ele ficasse com ela. “Que se me quedas tu, me queda la vida”. Com outras boas canções, como “Underneath Your Clothes” e “Poem to a Horse”, “Servicio de Lavanderia” apresentou a artista ao mundo com vontade, e mesmo sendo um pouco imaturo, o tempo mostrou que ele não dava conta do que viria por aí.


04º - Sale El Sol


Depois da conturbada era “She Wolf”, Shakira decidiu voltar a seus primórdios, e para isso produziu um disco que sumariza muito do que ela já havia criado, até ali. Sale El Sol é diverso, iluminado, e principia com a faixa-título, uma balada cheia de esperança anunciando que quando menos se espera, sai o sol. A partir dela, o disco passeia por três frentes musicais: faixas dançantes e de influência fortemente latina, como a esperta “Loca” e o reggaeton “Gordita” (em parceria com Calle 13); baladas românticas, retratando pela primeira vez a resignação pelo amor perdido (Lo Que Más) e a vontade de ser mãe (Mariposas); e finalmente, as faixas rock, a exemplo de “Tu Boca” e “Devoción”. Essa última, inclusive, causou furor entre os fãs por soar perfeitamente cabível em “Donde Están Los Ladrones”, segundo e aclamado disco da cantora. Há de se questionar: com todas essas nuanças, por que este álbum não caiu na mesma vala do She Wolf? Pelo simples fato de que ele soa autêntico em praticamente todas as músicas, e a paixão perdida no disco anterior havia voltado, com força total. À época de seu lançamento, Shakira admitiu que Sale El Sol representa um momento de renascimento íntimo para ela. Sem dúvida, essa energia renovada é o que o disco transmite.

ps: não sei bem de onde saiu a ideia de fazer um cover do The XX, mas a versão para “Islands” presente neste álbum é suave e “ensolarada”. Vale a pena escutar!


03º - Pies Descalzos


Ouvir o Pies Descalzos para quem é fã desde os anos 90 é como voltar para sua infância/adolescência, e se pegar intrigado com a forma como aquela moça da voz estranha cantava rápido. E disso para comprar o disco e passar horas repetindo o refrão até decorar cada palavra foi rápido, rápido. Mesmo com todo esse valor emocional, este disco se destaca por sua “boa imaturidade”, na forma de um frescor que empolga nas melodias, e encanta nas letras. Para além do hino “Estoy Aqui”, Pies Descalzos já demonstrava o quanto Shakira é uma pessoa apaixonada, seja por um homem, seja por sua arte. Tudo é sentido aos extremos, como uma adolescente querendo segurar o mundo só com suas mãos. E assim ela fala sobre o amor, com doçura (Antologia, Quiero), fanfarra (Te Espero Sentada) e desesperança (Pienso En Ti). Ainda trata de polêmicas nas canções “Se Quiere, Se Mata” - uma crítica ao aborto - e “Pies Descalzos, Sueños Blancos”, que mesmo discorrendo quase que aleatoriamente sobre Adão e Eva, dinossauros, e espaço-tempo, termina com um discurso relevante sobre os modelos que seguimos para ter uma vida “saudável e exemplar”. Por fim, a mistura de ritmos diversos em sua música já dá sinais neste álbum, com forte influência do reggae na divertida “Un Poco de Amor”.
O primeiro disco de Shakira tem sabor de saudosismo… E essa é só uma das razões para ele ter ficado em 3º lugar.


02º - Fijación Oral Vol. I


Fijación Oral Vol. I já chama atenção por sua capa. Shakira representa a Madona numa versão andina, e encara o ouvinte com olhos escuros, serenos, e extremamente envolventes. E “envolvente” é a palavra que define sua primeira faixa: “En Tus Pupilas” narra a paixão na forma mais suave, e se ampara na influência da música francesa para criar uma atmosfera marítima, ondulada, enternecendo na primeira audição. É seguida pela impiedosa “La Pared”, uma declaração de amor rasgada e que remete sonoramente a The Eurhythmics, para enfim desabrochar na sensualíssima “La Tortura”, música de sabor latino que se conclui num violão ritmado, quase uma percurssão.
O disco continua com “Obtener Un Sí”, faixa de bossa nova detalhista e delicada, abrindo espaço para duas composições de Gustavo Cerati, a dulcíssima “Dia Especial”, e “No”, uma balada coescrita por Shakira que mostra como as desilusões são fortes propulsoras de sua veia criativa. Vindo do refrão, “No se puede morir con tanto veneno / No se puede dedicar el alma a acumular intentos / Pesa más la rabia que el cemento”, a canção evolui para um final dramático, capturado com maestria por sua apresentação ao vivo. As pérolas do disco concluem-se com o pop certeiro de “Las de La Intuición” e a simplicidade cativante de “Dia de Enero”, uma das mais bonitas declarações de amor da cantora a seu então namorado.
De tão apaixonado, Fijación Oral Vol. I torna-se apaixonante. De quebra, é versátil, coerente, sem excessos nem ausências, e por isso vale cada nova audição.


01º Donde Están Los Ladrones


Assim como o último lugar dessa lista, a escolha do primeiro também foi óbvia! Donde Están Los Ladrones é o melhor disco de Shakira porque mesmo passados 15 anos, continua distintivo e extremamente rico em seu universo. Explora temas próprios da tapeçaria artística da cantora, mas com versos extremamente inspirados e, em alguns casos, sob uma ótica peculiar. O maior exemplo disso é a canção “Octavo Dia”, na qual a cantora narra a história de um Deus que após os 7 dias da gênese, foi passear pelo espaço, e quando voltou à Terra deparou-se com todo o caos, virando mais um desempregado “de la tasa que anualmente está creciendo sin parar”.
Musicalmente, as influências são íntimas ao coração de Shakira: “Ciega Sordomuda” usa-se dos mariachis para reforçar o dramalhão mexicano da canção, enquanto o grande sucesso “Ojos Así” pega carona na influência árabe que a cantora tem por descendência familiar. As outras canções passeiam pelo pop/rock latino, a exemplo de “Si Te Vas” e a faixa-título, havendo espaço ainda para toda a verve passional que permeia sua obra, em canções como “Inevitable” e “Tu”. Por fim, destaco a que, para mim, é a melhor canção de Shakira: “Sombra de Ti”. Com guitarras que se desmancham e um vocal honesto, a emoção é sentida em cada palavra entoada… E assim, esses versos são entregues: “Debes saber que hay pedazos de tu boca sin querer / Regados por aquí / Y que tropiezo cada día sin pensar, con un viejo recuerdo más / Y alguna nueva historia gris.”
Forjado em pura intensidade, Donde Están Los Ladrones é um bom começo para quem está conhecendo Shakira, e uma visita recorrente para qualquer fã. Indispensável!


Espero que tenham apreciado! E se quiserem deixar alguma opinião, será bem vinda!

sábado, 11 de janeiro de 2014

1:45 da manhã, e eu falando comigo

Eu quero companhia. Não posso ficar sozinho. Sei que estou sozinho. E vocês não têm com isso. Mas continuo a querer. E continuo a crescer. Estou a envelhecer. E nada posso fazer. Até quando vou rimar, eu sinto falta de ar. Cadê minha inspiração? Foi-se no meu expirar. Enquanto pensava no medo. No medo de viver só. Eu sei que falo bobagens... Estou implorando por dó! Mas saibam, amigos que leem. Que mesmo estando encolhido. Nas coisas que agora lhes digo, eu já me sinto acolhido.

Palavras são minhas amigas.
E sua atenção ao que digo.
Obrigado pela leitura.
Me desanuvia os sentidos.